Tuesday, February 18, 2014

Às vezes no silêncio da noite...

Fico remoendo meus pensamentos, querendo colocá-los no "papel" pra ver se libero espaço na minha mente.

Tô tentando fazer da minha vida virtual uma vitrine positiva, bonitinha, com as delícias das minhas meninas aprendendo sobre o Brasil, a família e curtindo sol e férias como nunca. Optei por exteriorizar o belo, mas por dentro as coisas não são bem assim.

Meu pai está super mal. Em junho ele operou o cancer do pulmão, um mês depois de ter operado o câncer na bexiga. Fez quimioterapia, depois radioterapia e o tratamento acabou em dezembro. Ficou fraco, teve pneumonia, etc. Cheguei aqui no início de fevereiro e fiquei chocada com o que vi. Um homem magérrimo, com a cabeça que era um crânio com pele e nada mais. Meu pai que sempre foi "fofinho" perdeu as bochechas e ficou de olhos fundos. O sorriso, sua marca registrada, sumiu. O vozeirão grosso, que um dia competiu nos hinos com o padre da paróquia onde fui batizada e fiz 1a comunhão, virou um sopro quase inaudível. Na 1a semana ele estava lúcido, conversava sobre tudo. Na 2a semana, ele perdeu parcialmente a consciência e parou de fazer sentido. Parece que sua alma ficou presa no corpo. Os olhos parecem entender o que falamos, mas a boca não responde ou quando responde, não sai tudo, troca as palavras. Suas mãos já não tem forças para segurar nem um simples guardanapo. Suas pernas passaram a ceder aos 55kg do seu corpo - que um dia pesou 90kg - e várias vezes ele caiu no chão. 

Meu tio, irmão de meu pai e médico que o acompanhou de perto, me disse no domingo que ele está no estágio terminal. Não tem volta e agora o que temos a fazer é proporcioná-lo uma morte confortável, em casa, onde tudo é familiar. Nunca pensei que fosse passar por uma coisa dessas: ver meu pai morrer lentamente. Ter que me contentar com isso. Ser negada de ter esperanças de que ele ficará bom e voltará a me contar causos. 

Parece que câncer de pulmão é um dos piores, mais agressivos e sorrateiros. Também um dos "mais fáceis" de prevenir, já que 85% dos casos é causado pelo fumo. 

O que estou sentindo agora? Impotência. Que meu pai vai morrer, eu já sabia, é a ordem natural das coisas. Mas não esperava que fosse assim, roubado de mim lentamente, como uma tortura. Minha madrinha me disse que ela acredita que as dores e alegrias pelas quais passaremos já estão escritas (dane-se o livre arbítrio, né?) e que o sofrimento pelo qual uma pessoa passa é quase uma punição pelos erros cometidos nessa ou em vidas passadas. Pessoalmente eu não acredito nisso. Por vários motivos, mas um deles se destaca: quem é que está sendo punido aqui? Meu pai ou sua família? A mulher dele está pagando pelos "pecados", tendo que levantá-lo do chão no meio da madrugada? Limpar seu vômito? Passar noites em claro em vigília? Dormir ao lado de um "morto vivo"? Claro que ela faz isso por amor, mas ela está sofrendo pra cacete e eu não acho justo. Também não acho justo essa coisa de cobrar dívida à prestação, fazendo a pessoa sofrer por coisas de um passado distante. Desculpe, mas me recuso a acreditar que Deus seja tão cruel e sádico com seus filhos que tanto ama. Mas enfim, cada um com suas crenças e suas dores.

No meio de todo o sofrimento do meu pai, minha mãe está prestes a começar mais um capítulo de sua história. Depois de muito anunciar, ameaçar, desejar, eis que parece que a casa onde ela mora há 31 anos será mesmo vendida. Era para ter sido, mas rolou um problema e a compradora desistiu. Depois minha mãe deixou pra lá, mas agora apareceu outro comprador. Ela achou um apartamento novinho - será a 1a moradora - e quando voltar de Londres fará sua mudança. E daí, claro, rola a sessão nostalgia. Adeus casa com piscina, entulhada de badulaques e história, perto da praia, com uma brisa agradável. Olá apartamento 1/3 do tamanho da casa, no bairro da colina, longe da praia. A missão pra mim agora é identificar todas as coisas que quero manter na minha vida e dar um jeito de trazê-las pra Londres antes que minha mãe dê fim em tudo.

E nesse processo, me sobra muito tempo para pensar na vida e repensar certas atitutes e escolhas da vida. Estas férias vão ficar marcadas em todos nós, mas a vida é isso, não é? Cicatrizes feias, tatuagens bonitas, doces lembraças, tristes pesadelos. Felizmente o tempo é um grande aliado e se ele não ajuda a apagar certas coisas, nos ajuda a amadurecer e a lidar com os percalços do caminho de uma maneira positiva.

E vamos colocar o sorriso na cara que tenho duas molequinhas ávidas a curtir a vida.


7 comments:

  1. Oi, Chris
    Sinto muito pelo seu pai. Essa doença terrível já levou tantas pessoas amadas da minha família que é uma experiência que eu não desejaria ao pior dos meus inimigos (caso tivesse um). Aproveite cada milésimo de segundo ao lado do seu pai porque para nós que moramos longe, tudo fica tão mais intenso e a gente só quer se agarrar a mais um minutinho, a mais um abraço, um cheiro, um beijo. Não é nada fácil mesmo, mas como vc disse, o tempo ameniza pq curar, isso nunca. Sempre vai ficar um buraco vazio, mas o tempo faz com que vc consiga seguir em frente de alguma forma, pode acreditar. Sinta-se abraçada e aproveite nossa cidade. Não vejo a hora de ir praí tb :)
    Beijão!

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  2. Sinto muito pelo que está acontecendo, infelizmente a gente não pode controlar o ciclo da vida e a maneira que as coisas acontecem. Perdi meu pai ano passado de uma forma parecida, não pude estar lá e não o via há anos. A maior dor foi a saudade e a dor de não poder estar lá ao lado dele naquele momento ou nem sequer ter me despedido. Concordo com o comentário acima , aproveita cada minuto cada momento porque são preciosos. E muita força pra vc e sua família. X

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  3. Anonymous1:07 AM

    Poxa, que situação complicada a do seu pai. Desejo muita força para você nesse momento! E como você mesma disse, bola prá frente, afinal você tem 2 meninas lindas aí com você!

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  4. Chris, sinto muito pelo seu pai. Nao sei nem o que dizer, pois é complicado confortar alguem apenas com palavras em um comentario no blog. Também discordo da sua madrinha. Ninguém rege a nossa vida, o que acontece sao acasos e tambem consequencias do q fazemos. Ah, o acaso.... Espero que vc continue forte para passar esses proximos dias. Vc e sua familia, e a esposa do seu pai. bjs

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  5. Oi Chris!!! Que você encontre força nas lembranças dos momentos felizes ao lado do seu pai. É difícil encontrar palavras de conforto numa hora dessas, mas queria deixar aqui o meu abraço e a torcida para que você e sua família superem essa dor. Um abraço e fica com Deus!

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  6. Chris, sinto muito. Nem sei o que dizer porque só consigo imaginar a sua dor.
    Mas deixo aqui meu abraço apertado e a minha energia positiva.

    Beijo com carinho!

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  7. Anonymous7:39 PM

    Chris,tem muito tempo que eu nao venho ao mundo pequeno e hoje resolvi dar uma olhada nos blogs. Por acaso entrei no seu e me lembrei que tinha gostado. E me deparei com esse post. Me emocionei com o seu relato. Eu tb passei por isso. Nao eh facil. Agente sempre diz que um dia essa hora vai chegar e que estamos ficando velhos, imagina os nossos pais. Mas sempre fomos e seremos sempre "daddy little girl". Olha eu gostaria de dizer que te mando um abraco caloroso e que mesmo nao te conhecendo conheco a sua dor.

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Uuuuh, so you decided to comment, huh? Well done!