Acho que nem da pra medir, ne? Se a pessoa e novinha, comecou a viver agora, tem a vida inteira pela frente, muita coisa pra ver, viver, fazer, a gente assume logo que a vida eh ultra valiosa, que essa pessoa nao pode nem deve partir. Mas se a pessoa eh bem vivida, aproveitou muito nessa vida, fez e aconteceu, ajudou outros, criou filhos, escreveu livros, cantou e encantou pessoas, mudou a vida de alguns, essa pessoa tambem deveria ficar por aqui por muito tempo, para continuar imprimindo sua marca no mundo, mesmo que seja o mundo de alguns.
Eu entendo completamente que o ser humano nao eh imortal, e que mais dia, menos dia todos vamos embora desse mundo material. Todos, sem excecao. Mas quando eh a hora certa? Acho que o censo comum diria que a hora certa eh soh quando estamos bem velhinhos, perdemos a mobilidade, a consciencia, os sentidos, e estamos sofrendo mais do que vivendo, ne? Enquanto houver jeito de aproveitar a vida, enquanto o calor do sol no nosso rosto nos fizer sorrir, enquanto as memorias do passado parecerem "como se fosse ontem", enquanto ainda houver expectativas por um (grande) acontecimento, a vida deve ser vivida.
Faz bastante tempo que meu pai tem tentado sobreviver a varios problemas de saude. Nao eh porque o mundo eh "injusto", mas porque ele eh de uma geracao que nao dava a minima - por ignorancia, por criacao, etc - pra saude. As comidas nao eram processadas, nao tinham agrotoxicos, nao rolava McDonald's, mas era muita carne, muita gordura, muito tudo que eh bom e a gente gosta. E pra ser sincera, nao sei se ele era do tipo que fazia exercicios regulares, mesmo que por obrigacao (minha mae, por exemplo, andava muito de bicicleta na infancia e juventude, por necessidade e por prazer tambem). O pior, na minha opiniao, foi o fumo. Meu pai fumou muito e desde muito jovem (desde os 14 anos). Quando digo muito, to falando de 3 macos de cigarro (90 cigarros?) POR DIA. Se isso nao eh muito... E ele bebia consideravelmente. Nunca foi alcoolatra, mas beber um copo de whisky aqui, 3 latas de cerveja ali, etc, nao faz muito bem pro figado, ne?
Mesmo achando que o estilo de vida dele era meio suicida, ele eh meu pai, ne? Entao quando ele tinha alguma coisa seria, rolava sim aquela dor de "putz...". Meu pai teve um infarto e sobreviveu. Mas nao parou de fumar imediatamente. Meu pai teve muitos problemas de circulacao, e a safena dele hoje em dia ajuda na circulacao das pernas. Ele tem veia de carneiro no corpo, porque algumas das veias dele entupiram e nao tinha mais de onde tirar pra substituir. Sentiu o drama? Me diz se uma pessoa que tem um pai assim pelos ultimos 20 anos nao pensa "meu pai eh Highlander" ou esta sempre "esperando pelo pior"? Eu sempre fui um misto dos dois. Nos dias otimistas, eu sabia que ele iria durar muito, que ainda tinha muito o que viver e que ele era "imortal e sobreviveria a todos nos". Nos dias de baixo astral, ou quando eu me sentia emocionalmente esgotada, sempre achava que a proxima ligacao seria para anunciar o pior - e eu sentia raiva. Raiva por ele nao ter cuidado da saude dele, por ele nao ter dado a minima pra saude dos filhos e ter fumado tanto nos anos em que meus pais foram casados, raiva por ele nos fazer sentir mal por ele estar mal...
Dai que a gente vai morar fora, dai que a gente tem filhos e dai que ate a mais raivosas das criaturas muda com essas mudancas. Primeiro porque morar longe da uma sensacao de impotencia absurda. Voce nao esta "logo ali" pra dar um abraco no aniversario, pra "filar o almoco", pra assistir a novela junto, ou simplesmente para se dar ao luxo de nao dar noticias, porque afinal, voce esta logo ali e pode deixar pra depois. Segundo que ter filhos muda completamente sua visao em relacao aos seus pais. Ou pelo menos deveria. Se voce ja os ama e os respeita, esse sentimento aumenta absurdamente. Voce passa a entender tudo o que eles fizeram por voce - tudo de bom e de ruim, de certo e de errado. Se voce nao teve avos (morando perto ou vivos), passa a querer que seus filhos tenham contato com seus pais, porque ter avos eh muito bom. Seus pais vao amar seus filhos de um jeito diferente: os netos sao o produto perfeito da sua obra mais perfeita. Se seus pais ja eram orgulhosos de voce, ficam ainda mais.
E com isso, aquele sentimento de "por que voce fez isso com a sua vida e por que esta fazendo isso com a minha?" vai pro espaco. Porque nao importa as escolhas da vida, elas foram feitas e nao tem como voltar atras. O lance eh aproveitar o presente e o resto do futuro e largar o passado - soh a parte ruim, nao a parte boa - pra tras. Porque um dia voce vai receber uma ligacao da sua mae dizendo que seu pai esta com cancer e que o cancer espalhou pro pulmao e rins e "eh melhor esperar pelo pior", e voce vai se sentir um lixo porque talvez nao ha tempo suficiente para sua proxima viagem ao Brasil e tudo que voce quer eh que seu pai seja realmente um Highlander para que sua filha veja, abrace e beije o "vovo Malio" pelo menos mais uma vez. E voce nao vai saber se sua pequena Nina-Beatriz-Ana-Luisa-seja la o nome que ela tenha vai sentir o colinho do vovo pelo menos uma vez.
To bem, soh meio sem saber o que realmente esta acontecendo... e to gravida, ne? As coisas tomam proporcoes ainda maiores quando estamos nesse estado.
Eu super te entendo e compartilho de todos esses seus sentimentos, e nem tô grávida, rs... meu pai morreu há 4 anos e eu mal posso acreditar até hj. Ele tb não era dos mais saudáveis (era obeso, tinha parado de fumar há 20 anos mas sempre bebia uma cervejinha), porém, a saúde dele era de ferro, ele nunca teve nada, nem um colesterolzinho alto. Até q a maldita depressão, por inúmeras pernadas q a vida deu nele (logo no seu Coimbra, uma das pessoas mais generosas e boas q conheci), apareceu e nunca mais foi embora. Ele morava em Juiz de Fora e eu, no Rio. A distância era pequena e eu sempre estava lá nos finais de semana em q eu não trabalhava. Mas quando me mudei prá SP, minhas idas prá lá começaram a se resumir, se muito, a uma vez por mês e eu sabia q ele sentia isso, mas eu não tinha (ou não queria?) oq fazer... e sempre quando eu ia lá ele tava mais magro, mais abatido, mais triste. Aquilo me cortava o coração, eu amava (amo) muito meu pai, mas eu sou uma pessoa durona, achava q ele nNao queria melhorar, q a culpa era dele. Até q em abril de 2009 ele caiu no portão de casa pegando o jornal e começou a sentir falta de ar. Minha mãe o colocou numa ambulância e ele chegou no hospital sendo entubado e indo direto para a UTI. Primeiro acharam q era AVC, depois q era coma hepático, depois q era uma bactéria rara. Eu não quis saber de nada, larguei meu emprego aqui em SP (com a anuência do meu chefe) e fui prá JF ficar ao lado dele. Era uma hora de visita na UTI, mas q eu não abria mão. Envolvi todos os meus amigos médicos, enchi o saco do neurologista antipático q estava tomando conta dele, movi mundos e fundos. Foi quase um mês assim até q ele acordou, estava se recuperando, pedia suco de laranja q não podia tomar pq tava de traquestomia, pedia prá ir embora e eu sempre dizendo para ele ter calma, q assim q ele melhorasse a gente ia beber uma cervejinha em Xabo Frio (programa q ele amava) e eu, esperançosa voltei prá SP. Numa quinta minha mãe me liga dizendo q, do nada, ele tinha tido uma parada cardíaca e, na sexta, recebi a pior notícia da minha vida, q ele tinha morrido. Enquanto te conto essa história longa, tô aqui me acabando de chorar, pq a tristeza não passa e a saudade só aperta... por que te contei isso tudo? Primeiro pq a distância não importa, seja vc morando em Londres ou em em SP, a gente tem q seguir a vida, a gente sempre vai estar longe dos nossos pais, estaremos sempre correndo atrás de não sermos tão distantes nem filhos desnaturados. Segundo pq é impressionante como a gente se culpa e sempre acha q podia ter feito um zilhão de coisas a mais... e, por fim, não precisa nem a gente ter filhos para se colocar no lugar deles, é só envelhecer um pouquinho, amadurecer, prá sua perspectiva mudar totalmente. Eu, sempre muito durona, muito cheia de mim, tenho me identificado cada vez mais com o meu pai e, infelizmente, só o compreendi quase q totalmente quando ele já não estava mais aqui... e tudo isso somado à mesma depressão (no meu caso, seríssima, q nem a dele foi) q me faz perder o chão pelo menos uma vez por semana. Mesmo ultra medicada...
ReplyDeleteOi Marcela, obrigada por dividir sua historia. Voce esta certissima, nao faz diferenca alguma morar perto ou longe, ter ou nao ter filhos. Como sou muito mais proxima da minha mae (meus pais sao separados desde que tenho 7 anos), sempre sofri muito mais com a ideia de um dia minha mae partir do que meu pai - isso desde muito nova. Mas esse sentimento de nao querer perder meu pai so comecou meio que depois que me mudei pra longe, e aumentou depois que tive filho. As magoas do passado meio que se apagaram. E eh muito ruim nao saber ao certo o que esta acontencendo - cada vez que falo com eles, o problema piora... Sinto muito pelo seu pai. Eu sempre choro quando escrevo posts ou conto historias doloridas - mas tambem choro quando leio historias dos outros, mesmo de pessoas que nao conheco.
DeleteChris, qdo vc tiver um tempinho, leia essa história aqui: http://daxtumbler.tumblr.com/post/45876994574/my-fathers-horniness#_=_
ReplyDelete